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leitor ideal

leitor ideal

Árvores e Vegetação Rasteira, Julho de 1887:

depois de várias tentativas junto do google, dignas de um verdadeiro detetive, descobri que  é este o título do quadro perante o qual se me encheram os olhos de lágrimas, no museu Van Gogh, quando lá estive há já muito tempo, no final do século passado.

Ainda hoje não consigo explicar o que me comoveu tão profundamente.

A extrema solidão  dum mundo vegetal, sem ruas, nem casas, nem pessoas - e nem céu nem sol tão pouco,

e no entanto as manchas de sol na vegetação e a  faixa de luz no espaço do desnível entre as árvores,

a intimidade com quem experimenta e dá testemunho dessa solidão?

A quase-impossibilidade de dizer tudo isto e no entanto tudo tão presente, tão intenso, tão pungente.

Deve ter sido algo semelhante que Don McLean sentiu e exprimiu no comovente tema Starry, Starry Night, dedicado a Van Gogh e gravado ao vivo em 2001, pouco depois da altura em que eu própria visitei o museu:

 

Foi há um par de anos, por esta altura, que eu, pouco dada à atividade física, senti o apelo de limpar e arrumar a minha pequena casa de alto a baixo. É a altura do ano, entre os últimos dias de Janeiro e os primeiros de Fevereiro, em que já estamos cansados do inverno, da longa imobilidade dentro de portas e da acumulação de coisas que vamos deixando acontecer durante essa imobilidade. É a altura do ano por volta da entrada do sol em Aquário, no dia 20/21 de Janeiro, em que começamos a sentir o apelo dos novos espaços que em breve se abrirão e a necessidade, mesmo que subconsciente, de fazermos alguma coisa para irmos ao seu encontro.

Eu tinha acumulado sobretudo papéis e papéis e papéis, com textos de vários sites, quase todos de astrologia, sobre temas que me interessavam e que tinha vindo a imprimir ao longo do tempo, a maioria dos quais já tinha lido e decidira guardar... sem saber bem porquê.

Também livros. Inúteis livros velhos de muitos anos cujo destino final fui sempre adiando.

E alguns bibelots, já sem encanto e sem sentido, que só ocupavam espaço e que eu amaldiçoava quando chegava a altura de limpar o pó.

Nesse dia, com o sol há pouco chegado a Aquário, decidi finalmente lançar-me ao trabalho. Levantei-me de madrugada, fui esvaziando as prateleiras das estantes e os tampos dos móveis, enchendo sacos e sacos pretos, grandes, de lixo. Depois de depositar os sacos no contentor, limpei o pó dos móveis e das estantes, aspirei e lavei o chão  e vaporizei a casa toda com um suave perfume de interior.

Ao fim do dia, tomei um bom banho e fiz-me uma auto-massagem. Jantei e pouco depois deitei-me na cama também feita de lavado, satisfeita comigo própria e com a sensação do dever cumprido - e com uma moínha saborosa, feita de cansaço, a circular nos músculos doridos.

Daí a pouco menos de um mês o sol entraria no degelo e nas águas fusionais do signo de Peixes para, no mês seguinte, irromper pelo signo de Carneiro no equinócio da Primavera, síncrono com o recomeço de tudo.

Eu, adormeci e dormi toda a noite a sono solto como um bebé.

O Caminhante Solitário

Na sua obra de 1998, O Caminhante Solitário (Ed. Teorema, 2009), W. G. Sebald (Wertach im Algau, Alemanha, 1944 - Dezembro de 2001), convida-nos a encetar com ele uma curiosa caminhada pela paisagem pré-alpina, região de onde são oriundos todos os artistas sobre quem escreveu, bem como ele próprio, e que visitou alguns anos antes da sua morte. 

Dedica cada um dos seis capítulos do livro a cada um desses artistas, destacando-se de entre eles o artigo dedicado a Jean-Jacques Rousseau, Le Promeneur Solitaire, já que este é o mais conhecido desses artistas e, porventura, deu o mote para o título da obra com as suas Rêveries d'un Promeneur Solitaire  (Devaneios do Caminhante Solitário).

Jean-Jacques Rousseau e o Iluminismo

Jean-Jacques Rousseau nasceu em Genebra, Suíça, no dia 28 de Junho de 1712. Foi considerado um dos principais filósofos do Iluminismo e um precursor do Romantismo. Afirmando-se contra o absolutismo que dominava toda a Europa, o Iluminismo condenava as estruturas de privilégios absolutistas e colonialistas e defendia a reorganização da sociedade.

Este "caminhante solitário" influenciou fortemente dois pensadores norte-americanos do século XIX, também eles grandes caminhantes e autores de curiosas caminhadas.

Renascimento Americano: o Profeta e o Anarquista

Ralph Waldo Emerson nasceu em Boston, nos Estados Unidos, no dia 23 de Maio de 1803. Foi ensaísta, poeta e filósofo e o fundador do movimento denominado transcendentalismo.

Embora nascido há mais de 200 anos, tinha estranhas ideias acerca do mundo natural, expressas no seu segundo ensaio intitulado "Nature", que viria a influenciar pensadores como Thomas Carlyle e Friederich Nietzsche. Numa das suas profecias parece ter antecipado a teoria da evolução natural, tal como viria a ser desenvolvida por Charles Darwin em A Origem das Espécies, publicado em 1859.

Emerson também parece ter antecipado em 80 anos a descoberta de Erwin Schrodinger e Albert Einstein de que a matéria é feita de energia, intuindo que a aparente solidez da matéria é a ilusão que, mais tarde, os físicos viriam a demonstrar que é. E as suas inspirações proféticas ainda não totalmente cumpridas dão conta duma realidade física que pode ser pensada como uma projeção holográfica, intuindo, com uma antecedência de 150 anos, ideias ainda incipientes dos físicos teóricos dos nossos dias.

Pela sua biografia e pela sua obra, foi justamente considerado o pai do renascimento americano.

Henry David Thoreau nasceu em Concord, Massachusetts, Estados Unidos, no dia 12 de Julho de 1817. Foi discípulo e amigo de Ralph Waldo Emerson e fortemente influenciado pelas obras deste  e de Jean-Jacques Rousseau. Por influência de Emerson, defendeu a tese de que só no contacto com a Natureza, longe das forças corruptas da civilização, o sonho de liberdade norte-americano podia ser realizado. Em 1854, escreveu o que viria a ser o clássico da literatura norte-americana, "Walden, ou a Vida nas Florestas", uma descrição da sua vida durante os dois anos que passou na solidão da pequena cabana que ele próprio construiu na margem do lago Walden, com o objetivo de se dedicar à contemplação da natureza e escrever as suas reflexões.

É também autor da obra "Desobediência Civil", uma espécie de manual do anarquismo pacífico, que influenciou Gandhi, Martin Luther King e Nelson Mandela.

Os banhos de floresta

Temporalmente mais próximo de nós, mas com origem no Japão profundo e milenar, o shinrin yoku, ou "banhos de floresta", é uma prática implementada nos anos 80 do século XX para combater os altos níveis de stress que se têm registado naquele país e que têm contribuído  para um elevado número de karoshi, morte provocada por excesso de trabalho.

Os banhos de floresta são uma terapia cujos benefícios fisio-psicológicos estão estudados cientificamente. Contribuem para a redução do stress, diminuição do ritmo cardíaco e da tensão arterial, reforço do sistema imunitário, preservação dos níveis de energia e melhoria da concentração, do relaxamento e do sono.

Há 150 anos, já Henry David Thoreau, no seu texto "Andar a Pé", fazia a apologia, pré-romântica e poética, das caminhadas a pé,

Desejo dizer uma palavra em nome da natureza, em nome da liberdade absoluta, em nome da amplidão, que contrastam com a liberdade e a cultura das cidades - no sentido de considerar o homem como um habitante da natureza, ou parte e parcela dela, e não como um elemento da sociedade. Desejo fazer uma exposição vasta e, se puder, a farei enfática (...)

e depois de páginas de belas reflexões e descrições, terminava:

Assim, vagamos para a Terra Santa, até que um dia o sol brilhe com mais intensidade do que jamais brilhou, brilhe talvez em nossos espíritos, e corações e ilumine inteiramente as nossas vidas com uma forte luz de alerta, tão quente, serena e dourada como numa colina, no Outono.

 

 

 

O meu pequeno-grande prazer diário prende-se com o desafio do 5º dia, o "objeto quotidiano" que descrevi aqui no dia 7 de Novembro de 2021. A saber, o objeto é a caneca em que bebo o meu café matinal, e o prazer é o respetivo conteúdo, o café, claro. Confesso: o café e aquilo que faço enquanto o bebo constituem o "prazer inenarrável" com que inicio os meus dias.

Desde que estou confinada em casa à espera da operação ao joelho, que nunca mais chega - disseram-me em Janeiro, mas ainda não recebi qualquer notícia -, comecei a acordar muito cedo. Aquilo que tenho para fazer à noite não tem interesse nenhum, rever sitcoms mais ou menos parvas e/ou assistir a notícias/entrevistas/ debates políticos geralmente deprimentes - mas entretanto descobri que tenho coisas muito interessantes para fazer logo depois de acordar, cedo, no dia seguinte.

Um mês antes de ser declarada a pandemia, ou seja, em Fevereiro de 2020, subscrevi o curso de meditação tibetana da Tergar Internacional, Joy of Living, e devo confessar que, até há relativamente pouco tempo - até ter começado a levantar-me mais cedo - não correu lá muito bem, porque eu não conseguia manter uma prática diária, por falta de disciplina. O curso tem três níveis e também só há pouco tempo passei para o segundo nível. Até então, andei a arrastar-me pelo primeiro nível, alternando períodos de prática com  períodos de "quero lá saber", qual tartaruga rebelde e preguiçosa.

O grande impulso para seguir em frente deu-se no fim do verão, quando comecei outro curso da Tergar, The Heart of Tantra, sobre budismo Vajrayana ou tântrico. Comecei com um retiro on-line em Setembro e desde então tem sido de vento em popa. Já fiz o curso introdutório, The Heart of Tantra: Essence e estou atualmente no primeiro módulo de The Heart of Tantra: Immersion.

Este progresso, como todos os avanços, não surgiu do nada. Deixei de ligar o despertador, mas acordo espontaneamente todos os dias entre as 5 e as 6 da manhã, às vezes mesmo pouco depois das 4.

Levanto-me, vou à casa de banho e vou aquecer o café. Depois, sento-me ao computador e começo o meu dia. Os meus primeiros golos de café sabem-me extraordinariamente bem, enquanto ouço a música inspiradora da Antena 2 e arrumo a minha "casa" mental: respondo a e-mails, faço as encomendas de coisas que preciso de comprar, trato dos assuntos de que é possível tratar a essa hora e escrevo. Quando estou despachada, desligo o rádio, acendo a vela e o incenso e começo as minhas aulas. Assisto aos vídeos, tiro apontamentos, imprimo os textos para ler  depois e faço as práticas de meditação guiada - tudo isto num estado de apreço e contentamento, a que acabo por chegar, nos poucos dias em que não começo por me sentir assim.

Assim, todos os dias me sinto uma "filha da madrugada", enquanto faço acompanhar as minhas jornadas solitárias e aventurosas de golos de prosaico e saboroso café - e é a antecipação do prazer que sinto nestas horas que me faz sair da cama todos os dias.

(este desafio deve ter tido origem no Brasil. Entenda-se, em português de Portugal: uma discussão parva)

 

Filha quase-única (os meus três meio-irmãos eram muito mais velhos do que eu) dum pai abusivo, sempre tive tendência para evitar confrontos e discussões: o resultado podia ser bastante mau para mim.

Na idade adulta, fiquei presa durante muitos anos  num casamento igualmente disfuncional, que quase me destruiu emocionalmente.

Assim, não tenho memória de discussões parvas. As minhas discussões, tanto com o meu pai como com o meu ex-marido, tinham antes dimensões extremamente dramáticas, pelo estado de devastação emocional em que eu ficava depois de ser objeto da  violência de ambos.

Depois do meu divórcio, tenho vindo a aprender a proteger-me e a cuidar de mim. Pratico meditação diariamente, como que num exercício ritual de (ainda) lamber as feridas.

Só lamento evitar, também ainda, as discussões e os confrontos e não ter tido algumas discussões parvas, como as que nascem da intimidade com alguém que nos ama e cuida de nós.

Mas talvez ainda vá a tempo de começar a ter discussões, confrontos... e algumas discussões parvas pelo meio.

Andava eu a pensar no que havia de escrever - e já tinha algumas ideias, num enredo bastante complicado e desmotivador - quando ontem, no primeiro dia do ano, me chegou a mensagem de Ano Novo do Yongey Mingyur Rinpoche, que deixo aqui.

Foi o "sopro de esperança" de que andava à procura.

Neste curto vídeo, Mingyur Rinpoche exorta-nos a que descubramos o nosso amor-compaixão, sabedoria e consciência inatos, que estão sempre presentes em nós, e que nos liguemos a essa verdadeira fonte de felicidade interior - e talvez assim possamos vir a mudar o mundo, na direção da paz e da prosperidade.

Convida-nos também a fazermos uma pequena prática juntos, que começa com o apreço. Seja como for, aconteça o que acontecer, ainda estamos vivos. Ainda temos o nosso corpo e os nossos sentidos. Sejam quais forem os problemas na superfície das nossas mentes e das nossas vidas, a um nível mais profundo apenas queremos ser felizes, o que constitui a essência do amor, e não queremos sofrer, o que constitui a essência da compaixão.

O apreço pela consciência, amor-compaixão e sabedoria é muito importante para começarmos algo de novo; na verdade, ele constitui a primeira das oito "práticas fundacionais" em qualquer prática budista e expressa-se pelos factos de:

- estarmos vivos

- termos livre-arbítrio

- possuirmos as qualidades inatas inerentes à nossa natureza básica

- termos sentidos

- termos a capacidade de agir: vontade de agir, vontade de mudar, em nosso benefício e dos outros

Esta mensagem de esperança resume, de forma muito simples, alguns dos  princípios budistas fundamentais que tenho vindo a aprender na Tergar, nos cursos online que estou a frequentar, "Joy of Living" e "The Heart  of Tantra", por isso a deixo aqui a pretexto deste ano novo.

Na segunda metade do vídeo, somos convidados e realizar a simples prática que referi anteriormente. Foi o meu mais belo ritual de início do ano, que tenciono repetir de formas diferentes em todos os dias do ano que agora começa.