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leitor ideal

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O medo e as fobias

O meu maior medo, desde criança,  é o de morrer, mas não chega aos extremos da tanatofobia. Fobias, essas, tenho duas, também desde a infância, que não consegui exorcizar ao longo de toda a vida: de baratas e de cobras.

Acho, pois, que estou bem servida, mas não me preocupo excessivamente, porque nem o meu medo nem as minhas fobias me impedem de levar uma vida mais ou menos normal, o que quer que isso queira dizer.

O medo do não-humano

Contudo, e até para conseguir viver com eles, não deixo de me interrogar sobre o seu possível significado e sobre o que posso fazer para conseguir lidar com eles. Já pensei em recorrer à hipnoterapia, mas acontecem sempre outras coisas mais prementes, que relegam esse projeto para o "qualquer dia...".

A este propósito, lembrei-me do livro de Clarice Lispector, A Paixão Segundo G. H., publicado em 1964, cujo enredo, ao contrário da, para simplificar, "mensagem", é bastante simples, porque na verdade todo o texto é um longo monólogo na primeira pessoa: Uma mulher, identificada apenas pelas iniciais G. H., depois de demitir a empregada e de tentar limpar o  quarto que esta ocupara, relata a experiência de ter esmagado uma barata na porta do guarda-roupa. A barata, após perder a sua casca, expele uma secreção branca e G. H., então, come-a:

Só à ideia, fechei os olhos com a força de quem tranca os dentes, e tanto apertei os dentes que mais um pouco eles se quebrariam dentro da boca. Minhas entranhas diziam não, minha massa rejeitava a da barata.

Eu parara de suar, de novo eu toda havia secado. Procurei raciocinar com o meu nojo. Porque teria eu nojo da massa que saía da barata? não bebera eu do branco leite que é a líquida massa materna? e ao beber a coisa de que era feita a minha mãe, não havia eu chamado, sem nome, de amor?

(...)

Sabia que teria que comer a massa da barata, mas eu toda comer, e também o meu próprio medo comê-la. Só assim teria o que de repente me pareceu que seria o antipecado: comer a massa da barata é o antipecado (...).

O antipecado. Mas a que preço.

Ao preço de atravessar uma sensação de morte.

As fobias e o medo da morte, que no meu caso, pelo menos, me parecem intimamente ligados,   representam o medo de não-ser, o medo do não-humano.

Ao encontro do não-eu

Ao que julgo saber, as fobias são uma espécie de instantâneo alegórico, ou simbólico, de um ou mais momentos extremamente traumáticos. O pânico que acompanha o confronto com a nossa fobia equivale, pura e simplesmente, ao grande medo de, subitamente expulsos do nosso universo humano, confortável e previsível, confrontarmos a nossa própria extinção.

Então, só nos resta enfrentar.

Através da meditação, paradoxalmente, quanto mais penetro em mim, mais me retiro de mim própria, ou seja, do meu "ego" habitual de todos os dias e vou ao encontro do "auto-antídoto" (soa muito melhor como o meu professor, Yongey Mingyur Rinpoche, diz: "self-antidote").

O auto-antídoto consiste em fazermos dos nossos problemas os nossos maiores amigos: olhá-los, aceitá-los e conviver com eles. E eles acabam por nos deixar.

Claro que só consigo fazer isto em relação a coisas mais pequenas e triviais, pequenas raivas, preocupações e obsessões do dia a dia. Mas vou-me treinando, por exemplo, para morrer um pouco todas as noites, ou seja, imaginar que no dia seguinte posso muito bem não estar viva. E descobrir-me viva no dia seguinte por vezes é uma verdadeira festa.

As cobras e as baratas são símbolos do medo maior. Como ainda não arranjei disponibilidade de tempo/finanças para fazer um tratamento por hipnose, só me resta procurar amar o que não é eu.

Como escreveu Bernard Berenson, na epígrafe da obra:

Uma vida plena pode ser aquela que alcance uma identificação tão completa com o não-eu que não haja mais um eu para morrer.

Essa plenitude.

 

Há muitos tipos de previsão, desde a rotineira previsão meteorológica a outros tipos de previsão, igualmente especializados, mas menos presentes no no nosso dia-a-dia, como é o caso das previsões feitas no âmbito da Sociologia, do Marketing, da Demografia e da própria História, só para citar alguns exemplos. Todas as previsões deste tipo remetem para o conceito mais vasto de Futurologia ("tentativa de prever, com uma abordagem científica, o futuro mais ou menos remoto da humanidade, tendo como objetivo abordar os vários cenários possíveis do futuro", da Wikipédia)  e têm em comum a sua abordagem estritamente científica.

Previsões e uma-previsão-do-futuro: dois mundos diferentes

Porém, creio que é do senso comum que,  quando alguém fala de "uma previsão do futuro", não está a pensar em parâmetros científicos e especializados.

Das duas uma: ou está a pensar em termos de uma Futurologia empírica, a-científica, intuitiva - o futuro da Humanidade, como serão os automóveis no ano  2070, quando conseguiremos estabelecer a primeira colónia em Marte - ou está a referir-se à esfera estritamente humana, por vezes coletiva, a maior parte das vezes individual, de que a astrologia é o exemplo mais conhecido e mais mediático.

Mas as coisas começam a complicar-se quando chegamos aqui, porque não existe apenas A Astrologia. Pelo contrário, existem dois tipos de astrologia radicalmente diferentes: a mainstream , dos media - tão generalista e dogmática que até pode parecer que é quase uma ciência, mas não, não é, é um embuste - e a Astrologia psicológica, altamente individualizada e focada em unidades específicas (pode fazer-se o mapa astrológico dum país, por exemplo) , radicada nos mitos e arquétipos, ou seja, na sabedoria ancestral da humanidade. O que se segue tem que ver com alguns aspetos desta última.

O mundo da realidade visível e o mundo do invisível

Tive recentemente contacto com a figura e a obra de Michael Meade, estudioso de antropologia, mitologia e psicologia,  fundador e diretor da Mosaic Multicultural Foundation, que publica regularmente vídeos na internet. Antes de falar das previsões astrológicas, parece-me necessário, para entender a sua função, deixar aqui o que retive do vídeo Myth and Emergent Truth:

Podemos considerar a existência de três mundos diferentes no mundo em que vivemos: o mundo da realidade visível, o mundo da lógica e o mundo do invisível, ou mitológico (do mito, da imaginação, dos mistérios). O mundo da lógica é o mundo linear de tudo o que é mensurável; o psicológico, por sua vez,  é uma réplica do lógico, uma espécie de duplicação de tudo - um mundo mais profundo, que penetra na psique e no mundo interior de cada um. A psicologia profunda, junguiana (= à maneira de Jung), presente nas vertentes mais progressistas da astrologia,  é uma maneira mais profunda de entender o mundo psicológico.

Por fim, o mundo mitológico, o mais profundo dos três, é o mundo das narrativas míticas, dos símbolos,  arquétipos  e imagens arquetípicas. Esta dimensão está habitualmente ausente do mundo contemporâneo, onde a própria palavra "mito" significa uma falsidade. E é precisamente neste mundo, desprovido de sentido(s), que mais precisamos de histórias que nos unam e nos digam o que está errado.

Segundo Meade, uma sociedade que perde os valores do mito sofre de vários níveis de dissociação e desorientação e de uma crescente alienação da natureza, porque o mito representa a ligação do homem à natureza e às leis da natureza. Não temos, na nossa cultura, mitos que nos deem um lugar significativo no cosmos. Vivemos, em vez disso, num universo acidental, que faz de nós seres acidentais, sem um sentido de significado e propósito, num mundo sem ordem e sem narrativas da ordem, num mundo de caos - que significa, justamente, "abismo escuro", onde caímos quando saímos do mundo ordenado que é o cosmos.

A maneira de encontrarmos equilíbrio à beira do abismo é através das histórias, dos mitos, que dão corpo à sabedoria interna e são, por isso, uma forma de encontrar soluções para os problemas existenciais. No mundo moderno, a cultura humana é vista como o oposto da natureza, mas a natureza humana está intimamente ligada à grande natureza (e por isso, nestes tempos de profunda crise, ambiental e não só, devemos reparar os danos que causámos ao clima, aos oceanos, à natureza em geral).

Assim, o mito constitui uma forma de encontrar meios de reposição da ordem, de regeneração e rejuvenescimento, cuja fonte se encontra  no poder da imaginação existente nas "águas vivas da alma"

Ainda segundo Meade, podemos encontrar três elementos na vida, tal como a conhecemos:

                  - o elemento natural: a natureza, em todas as suas formas

                   - o elemento sobrenatural: as divindades

                   - o Homem: os homens são  os "elos vivos" entre o natural e o sobrenatural,

e os mitos oferecem entradas e portais através dos quais as energias do cosmos penetram nas almas individuais.

A Astrologia: entre a natureza e o cosmos, um portal para o Inconsciente Coletivo

Toda a Astrologia se baseia, por um lado, na natureza, ou seja, no funcionamento do Universo e do nosso sistema solar, e na ciência, na medida em que está sujeita às leis e a todo o conhecimento acumulado da Astronomia, e, por outro lado, em arquétipos e mitos. Todos os planetas foram designados com os nomes de divindades da mitologia clássica, sendo que cada um rege, ou seja, confere as suas caraterísticas a, pelo menos um signo, ou constelação. Por exemplo, Marte rege o signo de Carneiro, Mercúrio rege os signos de Gémeos e Virgem. E da intrincada e complexa  teia de relações entre planetas e entre  planetas e signos (e casas astrológicas, mas não quero complicar ainda mais) tem vindo a nascer uma  enorme quantidade de símbolos e de mitos, que têm vindo a acompanhar a história da humanidade. Esses mitos, como mitos que são, têm a função de ligar a alma ou psique individual à herança universal e cosmológica da humanidade como um todo.

E o que procuramos, afinal?

Apenas tudo, ou seja, a totalidade  e a integridade que existiam no Princípio, onde estavam presentes todas as potencialidades; a Astrologia é um território pleno de portais de passagem do mito individual para o mito universal e para a inteireza inicial.

Uma diversidade de tipos de previsão astrológica

À semelhança do que sucede nas previsões de índole científica, também as previsões astrológicas podem ser de vários tipos. O mais comum, que não é exatamente uma previsão, mas um instrumento para lá chegar, é a leitura do mapa natal, que retrata  o aspeto do céu no momento do nascimento de determinada pessoa: os signos em que se encontram os planetas e a natureza dos ângulos entre eles - os "aspetos". Todos estes elementos nos dão informações sobre as caraterísticas individuais duma pessoa (também se podem fazer mapas dum país, duma associação, etc.).

No domínio da astrologia propriamente preditiva, a previsão pode ser feita para qualquer período de tempo - desde as previsões a longo prazo, por exemplo, para cinco anos, que retratam os movimentos  - os "trânsitos" - dos planetas "lentos" (Urano, Neptuno e Plutão), ao Retorno Solar, que nos dá previsões para um ano, a partir da data do aniversário.  Um período de tempo ainda mais curto é aquele contemplado pelo Retorno Lunar, que faz as previsões para o mês lunar, com base no movimento da Lua pelos signos do mapa, que é estabelecido para o momento em que a Lua volta a ocupar a posição no zodíaco que ocupava no momento do nascimento de determinada pessoa. Mais limitadas ainda no tempo são as previsões diárias, que acompanham os movimentos dos planetas "pessoais" (Sol, Mercúrio, Vénus, Marte, Júpiter) e dão conta  dos ângulos ou aspetos entre eles, para uma previsão geral, ou em relação aos planetas no mapa astrológico de determinada pessoa, para uma previsão individualizada.

A  astrologia eletiva (e as minhas circunstâncias atuais)

Existe uma quantidade de outras previsões e de outras questões ligadas à astrologia tão complexas que, obviamente, não posso falar delas aqui. Mas não quis deixar de referir a minha última descoberta astrológica: a astrologia eletiva, que prevê qual a melhor altura para iniciar determinada atividade. Vim a ter um contacto diário com ela através do site www.astro.com, que visito regularmente. Quanto às minhas "circunstâncias atuais", elas são que estou à espera, ou seja, estou a perder peso para fazer uma cirurgia ao joelho direito e que até lá quase não consigo andar - só em casa, e de muletas. O que significa que estou quase imobilizada e confinada em casa, como nos "melhores" tempos da pandemia. Logo, preciso de incentivos -   e de significado, e de divertimento.

Então recorro ao "Best time" do astro, que subscrevi, quando quero saber qual é a melhor hora para jogar no euromilhões ou no totoloto ou, até, para publicar um post aqui no blog. Só não chego ao extremo de ir ver qual é a melhor hora para, por exemplo cortar as unhas, porque, enfim, não sinto necessidade, embora isso também esteja contemplado.

Faz-me lembrar a relação de Paul Simon com as previsões meteorológicas em The only living boy in New York: I've got all the news I need on the weather report... Porque, para otimizar a nossa pequena vida,  pode ser preciso pensar em algum pormenor em que não tínhamos pensado  antes: levar um casaco ou um chapéu de chuva no caso do Paul Simon, ou, no meu caso, convocar a esperança momentânea nos melhores resultados possíveis. Depois, esquecer, e fazer outra coisa qualquer.