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leitor ideal

leitor ideal

Para  me reavivar a memória e escrever o post de hoje, recorri de novo à minha "Matéria Instável". Encontrei, ai!, vários relatos de experiências tristes, ou melhor, dado que eu sou sobretudo "lírica", a expressão de pensamentos e emoções de tristeza.

Escolhi um poema que escrevi há cerca de 15 anos, quando me encontrava numa fase de muita dor, tristeza, solidão, frustração... que felizmente passou, como fase que era. É sobre uma tristeza que se revolta e se rebela, uma tristeza politicamente incorreta, que barafusta e solta impropérios e palavrões. Uma tristeza de que não me envergonho, todos estes anos depois.

 

por entre os textos

Bem vinda talvez a lágrima

que me ameaça

com que ameaço voltar a sentir :

as cores, os cheiros, os ventos, as paisagens,

os céus de nuvens vermelhas,

ao mesmo tempo que se acendem as lâmpadas

dos candeeiros das ruas

e as luzes do café iluminam

os pretos suburbanos repetidos e conformados,

e que a televisão conformadora

cospe os seus barulhos sintéticos que gritam alto,

para não deixarem ouvir

os gritos reais,

os gritos, o grito,

(porra para isto tudo,

para esta desistência esta morte instalada

infiltrada)

enquanto te ouço, Whitman,

encostado à janela do autocarro

murmurar gritar em silêncio

muito alto: o vento sobre as folhas de erva

e saio do autocarro e entro

     no café, esta vida de plástico,

     o pronto a vestir

     a usar, a deitar fora,

     a ocultar

     este engano repetido dia após dia.

As cervejas os bagaços,

faz de conta que já estamos todos cegos

surdos paralíticos,

mortos pelo mais hediondo dos suicídios,

mas não mudos. Usuários de vozes

também de plástico

só sabemos fazer barulho,

quanto mais alto melhor

e não há deuses que nos venham castigar

como nos tempos de Gilgamesh.

Podia correr para os bosques,

Whitman,

mas já não há bosques aqui,

as árvores que vejo são também elas um engano

e não passam dum enfeite exíguo

antes de mais prédios.

Inconsolável e a recusar consolo

como o choro na voz de Ferré

- Je suis d'un autre pays que le vôtre -

sei lá como é que se corre  para os bosques,

hoje e aqui, Whitman,

só sei que ainda há vento

e folhas de erva que estremecem no vento,

a murmurar, a gritar

com a força dos murmúrios.

Entre um dia e outro

falta-me o dia

Whitman

falta-me a pergunta certa para perguntar

     - como é que se corre hoje para os bosques?

onde é que está a estrada aberta

não só para mim,

tu já sabias que não é essa a questão,

onde é que está a estrada aberta para irmos,

nós,

     porque o canto dos poetas às vezes está cheio de gente

e  é a voz dos homens que se calam,

feita de murmúrios e de gritos

mas também do fôlego forte como um ímpeto

como um sopro como o vento,

únicos,

de ir embora pela grande estrada aberta.

É verdade, Ferré,

que nous n'avons plus rien d'épique

mas eu pergunto ainda por tua culpa

Whitman

como é que se corre hoje para os bosques,

por onde é que se entra

na grande estrada aberta?

 

 

Quando li o título do tema de hoje, ocorreu-me imediatamente a dúvida que sempre tive, mas que nunca me incomodou o suficiente para procurar esclarecê-la. Aproveito agora  a oportunidade.

 

Qual é a diferença entre rito e ritual?

Recorri ao meu já velho amigo Sr. Google e eis o que encontrei:

A palavra rito é um termo que se refere aos costumes invariáveis, já estabelecidos por meio de regras ou normas, de uma cerimónia de determinada cultura ou religião. Um rito é baseado nas crenças das pessoas que o realizam e é uma forma de simbolizar e transmitir as ideias e os conceitos de algum tipo de mito.

Dentro de uma religião, por exemplo, a existência e a narração dos mitos é uma tradição muito importante para os praticantes, de maneira que podem ser aplicados com um objetivo individual ou social - é o caso, por exemplo, do rito de purificação que é o batismo. Porém, a cerimónia do  batismo tal como a conhecemos na igreja católica constitui um ritual elaborado para aplicar esse mesmo rito de purificação.

A base primária dos ritos não muda muito nas tradições da humanidade. Existe, por exemplo, uma crença difundida universalmente de preparar uma cerimónia para os vivos se despedirem dos mortos, conhecida como rito funerário, mas a forma de aplicar o rito - ou seja, o ritual - é diferente, embora o conceito básico seja o mesmo. Em alguma culturas, como na nossa, são feitos velórios, noutras são preparadas e realizadas grandes festas.

 

Os ritos de passagem

Os ritos de passagem  asseguram o acesso, ou transição, de uma etapa de vida para outra e a introdução de ensinamentos básicos para as pessoas que estão a iniciar uma determinada prática. Podem ser religiosos - o casamento, por exemplo,  que, entre outras funções assinala  também a passagem de uma etapa de vida para outra - ou sociais, dando origem a todo o tipo de rituais, desde os mais sofisticados, como um doutoramento, ao seu pobre parente que são as praxes universitárias, aparentemente em vias de extinção.

 

Os rituais...

Rituais  há-os, pois, de todas as formas e feitios e para todos os gostos: individuais/pessoais, sociais, religiosos, sagrados, profanos, patológicos... A razão é que, mais do que intensificar o sagrado, os rituais dão significado ao quotidiano e põem em relevo a nossa ligação com os outros. O caráter apaziguador e tranquilizante do ritual como que nos põe em harmonia com o mundo, o que é levado ao extremo na sua versão patológica e caricatural:

"O transtorno obsessivo-compulsivo é caraterizado por obsessões, compulsões ou ambas. As obsessões são ideias, imagens ou impulsos recorrentes, persistentes, indesejados, que provocam ansiedade e são intrusivos. As compulsões (também conhecidas como rituais) são determinadas ações ou atos mentais que a pessoa se sente impelida a praticar para tentar diminuir ou evitar a ansiedade causada pelas obsessões."

                                                                          do site Manual MSD Versão Saúde para a Família - o fornecedor confiável de informações médicas desde 1899 (sic!)

... e a Rituals

Há mais de dois anos, ou seja, desde antes da pandemia, que a Rituals é a minha marca de cosmética preferida, sobretudo no que toca aos cuidados do corpo. Não deixam de existir razões objetivas para tal: diversidade e qualidade dos produtos, boa relação qualidade/preço (é assim uma espécie de luxo para os remediados)... mas suspeito que as razões vão muito mais fundo que isso e têm que ver com o facto de os marketeers da Rituals a saberem toda! Na verdade, a marca possui várias coleções, cada uma delas com os respetivos traços distintivos e uma grande variedade de produtos - e a base do seu funcionamento reside, voilà!, no valor e importância dos rituais. Eu, por exemplo, transformei a minha necessidade de celebrar regularmente um rito de purificação no meu ritual semanal de cuidado do corpo que envolve:

exfoliação do corpo com o exfoliante de determinada coleção (ultimamente é  a Serendipity, que foi lançada este outono/inverno); duche com a espuma de duche e automassagem com o óleo de corpo da mesma coleção ... e fica tudo limpo, macio e a cheirar maravilhosamente por igual.

E claro que já percorri diferentes coleções, como o Ritual de Hammam no verão, com as suas alusões ao banho turco nas notas refrescantes de eucalipto, alecrim e mentol, e o Ritual de Sakura, suave e cor de rosa como as cerejeiras em flor no Japão...

E claro que o meu consumo da marca aumentou exponencialmente com a instalação da pandemia e a ausência dos habituais rituais familiares e sociais. Os meus rituais regulares de limpeza e cuidado do corpo devem ter sido a resposta a uma profunda necessidade de cura e regeneração, ciclicamente satisfeita por ancestrais ritos de purificação. Ou foram, apenas, a expressão da necessidade de sacralizar um tempo e um quotidiano profanos e profundamente ameaçados.