Dia 4 - Uma pessoa amada
Não sei se o Luís Filipe foi o meu primeiro amor, mas foi o meu primeiro namorado.
Foi o amor dos meus 17 anos, absoluto e sem limites como o amor só pode ser quando se tem 17 anos. O namoro só durou 6 meses, mas ensinou-me que quando aprendemos a intimidade com alguém estamos também a aprender a intimidade connosco próprios. As marcas da minha intimidade com ele ficaram para toda a vida - e as marcas da intimidade comigo própria renovam-se a cada dia. Fica a minha gratidão, a minha homenagem e, ainda, o meu amor, neste poema que escrevi há alguns anos e que é, também ainda, um eco desse amor que em tempo dos calendários durou uma primavera e um verão e em mim ficou, arrisco-me a dizer, para sempre.
Andanças pelo meu amor que morreu jovem
Ofereço-me à passagem vagarosa
das inclinações diferentes do sol e da sombra,
à lenta cintilação dos minutos
como à passagem do teu olhar sobre mim,
como às tuas mãos.
Incendeiam-se os dias na margem
onde os olhos permanecem secos,
fixos no ponto donde o teu corpo se soltou.
Estátua de ser eu sob o sol
das ruas,
recuso regressar ao país do início
da loucura,
donde me sorris ainda
suspenso por cima do tempo
e parto para dentro da cidade
que nunca me espera
mas onde me reabito.
Piso a frincha da porta entreaberta da infância,
limiar que volto a transpor
sobre um perfume
ou um fim de tarde
ou um canto de pássaros,
ou o pomar onde se beijou
a espessura demorada e tenra dos frutos
dum arbusto, equivalente do amor, rente ao chão,
e onde percorro o eixo da suave inclinação da luz,
no seu longo beijo das rosas solitárias,
com os olhos alagados de dia.
Poeta como tu, ciganos, e por momentos também
imóveis no gesto
entre a palavra e o dia.
mas hoje, nesta tarde de outubro,
o nosso retrato empalidece durante o crescimento da lua:
Subterrâneo o ritmo dos cavalos
que me trotam no sangue,
abrindo o caminho da bravura e do poema.